Projeto Sementes publica estudo sobre responsabilização de empresas e a proteção de defensores de direitos humanos

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O trabalho elaborado pelo Homa – Instituto de Direitos Humanos e Empresas[1], em parceria com as organizações promotoras do Projeto Sementes de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (SMDH, Abong, WWB, MNDH, CPT, AMDH, ABGLT e CIMI), aborda as dificuldades de se responsabilizar atores privados, especialmente empresas e empreendimentos por diversas formas de violências cometidas contra defensores e defensoras de Direitos Humanos, no Brasil.

O estudo demonstra como esse é um problema característico de sociedades do Sul Global, em especial latino-americanas, marcadas por graves conflitos, tanto no campo quanto nas cidades, e que refletem heranças de processos coloniais de dominação, e de redemocratização tardia ou instáveis, e que ainda mantém estruturas sociais marcadas por diferentes dimensões de desigualdade, seja de classe, raça ou gênero. Estas estruturas sociais historicamente adoecidas reproduzem práticas de repressão que são dirigidas contra os atores que se dedicam ao combate de tais dinâmicas, tais como os defensores e defensoras de Direitos Humanos, os quais podem representar uma ameaça a interesses das elites locais nos territórios.

O trabalho retrata a importância do papel desempenhado historicamente pelos defensores e defensoras de Direitos Humanos, inclusive na consolidação dos patamares de proteção dos Direitos Humanos reconhecidos nos ordenamentos jurídicos nacionais, e também em diálogo com os marcos presentes regional e globalmente. Debruça-se, inicialmente, sobre o próprio conceito de defensores e defensoras, para, ao final, sugerir recomendações para o enfrentamento dos desafios existentes na atuação desses atores tão relevantes socialmente.

A partir dos dados apresentados no Relatório divulgado pelo Business and Human Rights Resource Centre (2023), observa-se que a maior parte das denúncias como assédio, intimidação, difamação, perseguição, prisão e morte ocorrem relacionadas às operações de projetos de empresas transnacionais (ETNs), principalmente dos setores de mineração, agronegócio, petróleo, gás e carvão, metal, aço e turismo. Assim, as estratégias das empresas transnacionais de organizarem seu processo produtivo e de governança corporativa por meio de cadeias globais de valor inclui uma lógica de violações de Direitos Humanos compreendidas como vantagens competitivas em territórios transfronteiriços, visando beneficiarem-se de ganhos sociais, no rebaixamento de salvaguardas de proteção dos Direitos Humanos, notadamente socioambientais. Tal cenário contribui para um quadro de impunidade sistêmica, para a qual contribui uma complexa relação entre os Estados que recepcionam tais empreendimentos e os atores privados, levando, ao fim e ao cabo a uma maior vulnerabilidade de indivíduos, grupos e comunidades habitantes dos territórios visados para a localização de tais atividades, assim como para as defensoras e defensores dos direitos potencialmente violados.

Fundamentado no conceito de “proteção popular” que vem sendo desenvolvido pelo Projeto Sementes,  e que se constitui como uma atuação integral que visa articular a proteção, a promoção e a reparação, preferencialmente nos territórios onde atuam as defensoras e defensores, o estudo apresenta um levantamento do avanço dos marcos específicos de proteção de defensoras e defensores, no âmbito regional e global, em razão das peculiaridades da atividade, contrapondo-se a diferentes  atores e interesses públicos e privados. Estes possíveis conflitos engendram uma complexidade de fatores, trazendo à tona a problematização de conceitos como soberania nacional, desenvolvimento, dependência internacional. Ou seja, a lógica de atração de investimentos externos diretos representados pelas empresas transnacionais no território nacional, cujo poder econômico e político, muitas vezes pode ser superior aos dos próprios Estados, pode configurar um desafio enorme para a preservação de direitos socioambientais e da integridade física e liberdade de atuação de defensoras e defensores.

Assim, o Brasil apresenta uma Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PNPDDH) que foi aprovada no Decreto n. 6044/2007, já modificado várias vezes, e regulamentado pela Portaria n. 507/2022. Entretanto, constata-se um aumento da violência contra defensoras e defensores nos últimos anos, tanto no campo quanto nas regiões urbanas, conforme demonstram relatórios de Instituições como o Centro de Documentação Dom Balduino, da Comissão Pastoral da Terra (2023) e o Dossiê Vidas em Luta (2016). Em contraposição, uma série de articulações de movimentos sociais, organizações de defensores e defensoras buscaram empreender estratégias de resistência, valendo-se também de instrumentos de denúncia regionais e internacionais existentes.

Essas estratégias, como demonstra o estudo, transpõem justamente o território onde as violações são cometidas, o que chama atenção para a necessidade de se buscar mecanismos extraterritoriais para a regulamentação da atividade empresarial que também se organiza transnacionalmente e que tem, justamente por essa configuração, recursos para escapar do espectro de responsabilização das jurisdições onde as violações ocorrem. O trabalho apresenta, desta forma, o avanço da chamada agenda internacional de “Direitos Humanos e Empresas” e seu reflexo no Brasil, desde as Declarações Tripartite da OIT, passando pelas Diretrizes da OCDE, aos consagrados Princípios Orientadores das Nações Unidas, adotados em 2011, como pelo processo de negociação do Tratado Internacional sobre Empresas e Direitos Humanos, iniciado após a adoção da Resolução 26/9 de 2014 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, e que já caminha para a sua décima rodada de negociação. Como grande novidade, e parte de um projeto corporativo que visa esvaziar os esforços para o aprimoramento do Tratado, verificamos também as novas Leis de Devida Diligência em pauta, como a Lei Francesa de 2017, a Lei Alemã, de 2023, e a Nova Diretiva Europeia que deve ser aprovada em 2024.

No Brasil, por sua vez, houve a publicação, sem nenhuma participação popular, do Decreto n. 9571/2018, revogado, no atual governo, pelo Decreto n. 11.772, de 9 de novembro de 2023; a Resolução n. 5 de 12 de março de 2020 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), e o Projeto de Lei n. 572/2022, em negociação no Congresso Nacional, que “cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas no tema”, inspirado, tanto no aprendizado das lutas e enfrentamentos de violações de Direitos Humanos cometidas por empresas, como na Resolução n. 5 do CNDH e nas propostas dos movimentos e organizações sociais  que incidem na negociação do Tratado Internacional.

Tendo em vista as diferentes e persistentes modalidades de violações de Direitos Humanos retratadas no trabalho, tais como atentados contra a vida e a integridade pessoal; violação de domicílio; atividades de inteligência e espionagem direcionadas a defensoras e defensores de direitos humanos; prisões arbitrárias e criminalização de defensores e de movimentos sociais por meio de processos judiciais injustos dentre outras, intensificadas pela crise política no Brasil, a partir de 2016, buscou-se exemplificar a dificuldade de responsabilização das empresas e empreendimentos, a partir  de estudos de caso em Belo Monte, PA; Pequiá de Baixo, MA e Mariana, MG.

Por fim, tais estudos permitiram a proposição de recomendações, dentre as principais estão: reconhecer publicamente a importância da atuação de defensoras e defensores de direitos humanos na busca pela efetivação desses direitos; promover a conscientização popular sobre o trabalho desenvolvido por defensores de direitos humanos através de veículos de informação oficiais do governo e mídia; aprova a Lei Marco (PL 572/2022); participar ativamente da negociação do Tratado vinculante de Empresas e Direitos Humanos, em prol de um conteúdo que conceda o devido protagonismo e proteção aos atingidos e atingidas por violações, assim como a seus defensores e defensoras; ratificação do Acordo de Escazú; fortalecer programas de proteção aos defensores de direitos humanos em âmbito federal e estadual, garantindo sua qualificação e continuidade; fomentar a pesquisa sobre a atuação de defensores de direitos humanos, dentre outras.

O documento pode ser encontrado em no site do Projeto Sementes, clicando aqui.

Também disponível clicando aqui.


[1] O trabalho foi elaborado por Andressa Oliveira Soares, Aline Lais Lara Sena e Manoela Carneiro Roland, todas do Homa – Instituto de Direitos Humanos e Empresas. Esta apresentação é de autoria de Manoela Carneiro Roland, Coordenadora-Geral do Homa.

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