Relatadas por entidades da sociedade civil organizada, críticas e denúncias sobre o cenário dos direitos humanos no Brasil foram ouvidas e repercutidas pelos membros do Comitê das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC), reunido desde a última segunda-feira (25) em Genebra, Suíça. A avaliação de representantes de entidades como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), o Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP) e a Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH) é de que o Comitê foi impactado pelo trabalho de articulação e pressão das entidades, o que pode influenciar o parecer do órgão – a ser publicado na próxima semana – sobre o desempenho do Estado brasileiro no cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).
Reunido para a 74ª Sessão anual do PIDESC, o Comitê colheu subsídios das entidades da sociedade civil para questionar a delegação brasileira presente em Genebra a respeito do cenário de cumprimento dos direitos previstos no Pacto por parte do Estado brasileiro. Esta avaliação é realizada periodicamente em relação a todos os Estados-membros do tratado. Agora, após receber as respostas da delegação brasileira nas últimas quinta e sexta-feira (28 e 29 de setembro), o CDESC deverá emitir sua avaliação referente ao Brasil com três recomendações de caráter emergencial, às quais o Brasil deverá prover uma resposta em até 24 meses.
“O Estado brasileiro teve a oportunidade de apresentar o seu posicionamento e nós cumprimos o papel da sociedade civil, que é o de fazer o monitoramento, o acompanhamento, o contraponto crítico. Fomos recebidos, ouvidos, e tivemos oportunidade de manifestar nossas preocupações aos membros do Comitê. Conversamos com o relator e com a equipe encarregada do país. Fizemos aquilo que é o nosso papel: trazer para esse espaço internacional as preocupações das populações, das organizações, daqueles e daquelas que lutam pelos direitos humanos, sobretudo os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil”, avaliou Paulo Cesar Carbonari, membro da coordenação nacional do MNDH, logo após a audiência com o Estado brasileiro.
“A impressão que a gente tem é de que os comissionados se aprofundaram, leram bastante as informações que vieram da sociedade civil, foram impactados por isso. Muitas das informações fornecidas pela sociedade civil foram base para a formulação das questões levantadas pelo Comitê ao Estado brasileiro. Então, do ponto de vista do papel da sociedade civil brasileira neste processo, a gente pode dizer que foi um papel bem positivo, importante. Imagino que isso também vá se refletir efetivamente nas recomendações que o relatório agora vai apontar”, analisa Enéias da Rosa, secretário-executivo da AMDH, fazendo menção ao parecer que o Comitê deverá emitir nos próximos dias a respeito dos DESC no Brasil.
Saúde
A realização do direito à saúde foi um dos tópicos mais repercutidos pelos membros do Comitê e evidenciou o trabalho de articulação das entidades da sociedade civil. Para Fernando Pigatto, presidente do CNS, a atuação das organizações teve saldo positivo nesta Sessão do CDESC pois as demandas e denúncias levadas foram efetivamente abordadas pelos membros do Comitê nos questionamentos à delegação do governo brasileiro.
Um desses pontos foi a possibilidade de responsabilização do Estado por violação de direitos humanos no contexto da pandemia de Covid-19, uma das bandeiras atuais do CNS. Ao mesmo tempo, para Pigatto, houve mudança de postura do Estado no tratamento dos DESC desde a gestão federal anterior. “A gente tem, por exemplo, o reconhecimento da delegação – especialmente do Ministério da Saúde – sobre a importância de aplicar na saúde pública os 15% da receita corrente líquida neste ano de 2023, a partir da revogação do Teto de Gastos [Emenda Constitucional 95/2016]. É um novo momento que a gente está vivendo”, observa.
“Foram destacadas questões extremamente estruturantes para o Brasil que ecoaram bastante o diálogo com a sociedade civil. O Comitê teve sensibilidade para ouvir a sociedade e a delegação do governo brasileiro”, comenta Valdevir Both, do CEAP, que também destacou a centralidade do tema da saúde nos trabalhos.
“Houve várias perguntas sobre a retomada de investimentos em direitos humanos e, no tema da saúde, também veio o tema dos investimentos. Teremos investimentos maiores já no orçamento de 2023, com a revogação do Teto de Gastos, mas há um valor substancial de R$ 60 bilhões que a gente ainda precisa retomar. Então, esse tema do financiamento na área da saúde foi importante. O segundo que eu destacaria é a Covid e o tema da responsabilização, porque não queremos repetir a tragédia que isso foi. Por fim, eu destacaria o tema do fortalecimento da participação social na saúde. Nós tivemos um período muito crítico no ciclo do governo anterior, de ceifar, delimitar e perseguir a participação social na saúde, e isso foi um destaque importante do Comitê”, pontua.