Manifesto da Campanha Nacional “Todas as vidas valem!”
Por direitos humanos no contexto da Covid-19
O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), organização brasileira que articula entidades de direitos humanos de todo o país, com atuação desde 1982, acredita, como diz sua Carta de Princípios, que “a caminhada pelos direitos humanos é a própria luta do nosso povo oprimindo, através de um processo histórico […] na busca de uma sociedade justa, livre, igualitária, culturalmente diferenciada e sem classes”. Por isso, num momento de profunda crise na qual se encontra a humanidade é que os direitos humanos estão e seguem em luta. Para contribuir nessa caminhada lançamos este Manifesto e, com ele, a Campanha Nacional TODAS AS VIDAS VALEM dentro do eixo histórico: Luta pela Vida, Contra a Violência.
O MNDH entende que a pandemia sanitária decorrente do novo coronavírus revela outras pandemias. A pandemia econômica mostra os estragos de um modelo econômico concentrador e excludente e que vem produzindo cada vez mais desigualdade, pobreza e miséria. A pandemia política mostra os atrasos do autoritarismo e dos ataques à democracia e à vigência da necropolítica. A pandemia cultural expõe o fundamentalismo e o pensamento único como destruidores da diversidade e da pluralidade. Esta crise se abate sobre os sujeitos humanos para os quais os direitos humanos nunca chegaram, sequer como promessa, menos ainda como realização. Eles e elas são as vítimas das violações que veem sua situação ainda mais agravada pela pandemia quando diante das regras de ficar em casa e de lavar as mãos denunciam ao mundo que nunca tiveram casa e não têm saneamento e nem água. São vítimas do trabalho precarizado, informal e do desemprego. São vítimas da violência de gênero (contra mulheres e LGBTIs) e da violência geracional (crianças e adolescentes). São vítimas do racismo (negros e negras, indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais). São vítimas de sistemas de privação de liberdade completamente inadequados e violadores e da tortura e dos tratamentos desumanos e degradantes. São vítimas da ausência de acessibilidade que abandona às pessoas com deficiência. Para elas e eles a pandemia é ainda mais cruel, pois reforça desigualdades históricas, discriminações e racismos estruturantes, exclusões e opressões presentes, injustiças e violações recorrentes.
O MNDH entende que estamos fazendo uma travessia, com muitas incertezas, o que nos exige muita coragem para dizer que TODAS AS VIDAS VALEM. Dessa certeza não abrimos mão. Nela seguimos acreditando que a “sociedade justa, livre, igualitária, culturalmente diferenciada e sem classes”, construída pela luta por direitos humanos das “maiorias exploradas” e das “minorias expoliadas” se recoloca como desejo do impossível na realização de novas relações interpessoais, de novas exigências de convivência, de novas subjetividades, mas também de novas institucionalidades protetivas dos direitos humanos.
O MNDH entende que defender os direitos humanos desde a “luta do povo oprimido” é radicar e radicalizar uma posição que reconhece a universalidade como não discriminação e como respeito profundo à diversidade, que afirma a interdependência e a indivisibilidade dos direitos humanos no sentido de não abrir mão de nenhum dos direitos e exigir a realização de todos eles para todos e todas.
O MNDH sabe que este é um momento que também requer se posicionar contra todos os seletivismos, punitivismos e meritocratismos, próprios de uma época que desvaloriza a pluridimensionalidade do humano em favor unicamente de sua dimensão econômico-produtiva. Uma época que exige lutar com força contra todas as possibilidades de aceitar que existam vidas matáveis como condição para que outras vidas sigam vivendo. Uma época que exige levar a sério os apelos da mãe terra, nossa “casa comum”, cobrando a construção de novas relações com o ambiente natural. Uma época que não respeita os bens comuns e exige lutar contra a expropriação concentradora dos escassos recursos naturais. Um tempo no qual a diversidade é ridicularizada e discriminada e que exige valorizar a alteridade e a pluralidade. Por isso:
Reafirmamos nosso compromisso com a democracia, com o estado democrático social de direito, com a preservação e ampliação da participação popular, com o exercício autônomo e livre da soberania popular. Mas também com o enfrentamento de todos os autoritarismos, os totalitarismos, as necropolíticas. Não aceitamos que direitos sejam violados por qualquer motivo e por qualquer autoridade, por quem quer que seja. Exigimos que todas elas cumpram com suas responsabilidades com os direitos humanos, seja na sua garantia, promoção e proteção, seja evitando, apurando e responsabilizando quando houverem violações.
Reafirmamos que a promoção da solidariedade social e a cooperação são o principal caminho para o enfrentamento da pobreza, da miséria e da desigualdade. Por isso nos engajamos em campanhas e ações de organização da solidariedade com aqueles e aquelas que estão numa situação que precisa ainda mais de proteção. Mas também recolocamos na agenda a importância da luta contra a precarização dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, da destruição dos sistemas previdenciários e de assistência social. Por isso defendemos que programas de renda básica universal incondicionada sejam amplamente implementados. Também defendemos a revogação da Emenda Constitucional nº 95/2016 e de todas as medidas de austeridade que impedem a ampliação da capacidade do estado investir o necessário para a proteção e amparo social.
Reafirmamos nosso compromisso com a luta por novas relações com a mãe terra e de promoção da preservação do ambiente natural e dos bens comuns e dos recursos finitos nele disponíveis. Afirmamos a necessidade de aprofundar as ações para o enfrentamento da mudança climática e da construção de relações econômicas e ambientais orientadas pela precaução e uso sustentável, superando o modelo consumista e predatório hoje hegemônico.
Reafirmamos nossa luta pela autonomia e independência de todos os seres humanos. Por isso somos contrários a todas as formas de opressão e de exploração. Inaceitável o racismo, o machismo, o patriarcado, a lgbtifobia, a xenofobia, o normalismo e tantas outras práticas de fundamentalismo, discriminação e violência. Nos somamos a todas as organizações e movimentos de luta e resistência para promover a igualdade, com profundo respeito pela diversidade, e a vida sem violência como direito de todas e todos.
Reafirmamos nosso compromisso com a proteção e promoção da saúde. Afirmamos que a saúde é um direito humano e que assim precisa ser orientada toda a assistência em geral e também no enfrentamento à Covid-19. Defendemos o Sistema Único de Saúde como forma de garantia do direito para todos/as. Isso inclui a garantia de que a primazia de todos os equipamentos, medicamentos, testes, serviços e estruturas estejam primeiro disponíveis publicamente, inclusive, se necessário, pela requisição dos que estão nos serviços privados. O cuidado com os/as trabalhadores/as em saúde é essencial, junto com a capacitação adequada. Também é fundamental que os espaços de participação e controle social, os Conselhos, sejam agentes ativos nas definições das políticas e ações a serem implementadas. Inaceitável que não haja uma intervenção reguladora das instituições multilaterais para fazer frente à “guerra comercial” por equipamentos e medicamentos. Garantir saúde para todos e todas é realizar um dos direitos humanos sociais.
Também reafirmamos que os organismos internacionais de direitos humanos, encarregados de ações multilaterais precisam ser fortalecidos e respeitados. Inaceitável que as sugestões e recomendações destas instituições não sejam levadas a sério e sejam atacadas pela ação de órgãos de Estado. É fundamental que sejam construídas orientações e medidas para fazer frente à pandemia em sociedades profundamente desiguais. Que sejam providenciados planos de ajuda, o perdão das dívidas e o desenvolvimento de ações concretas de proteção daqueles e daquelas para quem a desigualdade agrava a condição de vulnerabilidade em razão do desamparo e da desproteção. O fortalecimento do multilateralismo e da cooperação internacional é fundametnal neste momento.
O MNDH conclama a todas as organizações de direitos humanos, as organizações populares, os movimentos sociais, sindicais, as forças democráticas, enfim, todos e todas os/as brasileiros/as para que sigamos firmes, em luta. Somente assim poderemos atravessar este momento e seguir na “construção de uma nova sociedade” e do ser humano novo/a, no Brasil, na América Latina e no mundo. Estão renovados os compromissos fundacionais e renovadamente assumidas as responsabilidades históricas.
Promoveremos juntos com todos e todas que comungam e se aliançam, a Campanha Nacional Todas as Vidas Valem, através da qual faremos a denúncia de todas as exclusões e lutaremos pela proteção de todas/os, particularmente daqueles e daquelas cuja vulnerabilidade é potencializada pela desigualdade, faremos o monitoramento das violações de direitos humanos, denunciaremos as medidas administrativas, orçamentárias, legislativas e judiciais contrárias aos direitos humanos e promoveremos ações de educação popular em direitos humanos para o fortalecimento da militância e das organizações de direitos humanos. Formaremos comitês populares junto com outras organizações e movimentos em todos os locais do país.
O Conselho Nacional do MNDH está em reunião permanente para poder acompanhar com proximidade e dar repostas prontas às graves situações de violação no contexto da pandemia. O mesmo estamos fazendo em nossas Articulações Estaduais e pedimos para que todas as entidades filiadas também o façam. Estamos a postos para nossa tarefa de promoção e defesa dos direitos humanos.
É momento de juntarmos as forças e de promovermos ações em conjunto construindo a Campanha Nacional Todas as Vidas Valem que nos motivem e nos inspirem a realizar o que precisa ser feito para que os direitos humanos sejam realizados e não sejam violados.
TODAS AS VIDAS VALEM
PELA VIDA, CONTRA A VIOLÊNCIA
Brasil, 15 de maio de 2020.
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil